Biografias Cristãs

A História de Agostinho de Hipona

Aurélio Agostinho (em latim: Aurelius Augustinus), Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho (Tagaste, 13 de novembro de 354 — Hipona, 28 de agosto de 430)
Aurélio Agostinho 
foi um bispo, escritor,
teólogo, filósofo, padre e
 Doutor da Igreja Católica.

Agostinho é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Agostinho foi muito influenciado pelo neoplatonismo de Plotino.[3] Ele aprofundou o conceito de pecado original dos padres anteriores e, quando o Império Romano do Ocidente começou a se desintegrar, desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus (em um livro de mesmo nome), distinta da cidade material do homem. Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem medieval. A igreja se identificou com o conceito de "Cidade de Deus" de Agostinho, e também a comunidade que era devota de Deus.
Agostinho nasceu na cidade de Tagaste, província de Souk Ahras, Argélia, e sua mãe, católica, se chamava Mônica. Foi educado no Norte da África e resistiu aos pedidos da mãe para se tornar cristão. Vivendo como um intelectual pagão, ele tomou uma concubina e se tornou um maniqueísta. Posteriormente se converteu para a Igreja Católica, se tornou um bispo, e se opôs às heresias, como a crença que as pessoas possuem a habilidade de escolher fazer um bem tão forte que poderia merecer a salvação sem receber a ajuda divina (pelagianismo).
Na Igreja Católica Romana, e na Igreja Anglicana, é um santo, e um importante doutor da Igreja, e o patrono da ordem religiosa agostinha; seu memorial é celebrado no dia 28 de agosto. Muitos protestantes, especialmente calvinistas, o consideram como um dos pais teólogos da Reforma Protestante ensinando a salvação e a graça divina. Na Igreja Ortodoxa Oriental ele é louvado, e seu dia festivo é celebrado em 15 de junho, apesar de uma minoria ser da opinião que ele é um herege, principalmente por causa de suas mensagens sobre o que se tornou conhecido como a cláusula filioque. Entre os ortodoxos é chamado de "Agostinho Abençoado", ou "Santo Agostinho o Abençoado".
Agostinho nasceu na cidade de Tagaste, província de Souk Ahras, na época uma província romana no norte de África, na atual Argélia, filho de pai pagão, Patrício e mãe católica, Santa Mônica. Foi educado no norte de África e resistiu aos ensinamentos de sua mãe para se tornar cristão.
Agostinho era de ascendência berbere. Com 11 anos de idade, foi enviado para a escola em Madaura, uma pequena cidade da Numídia. Lá ele tornou-se familiarizado com a literatura latina, bem como práticas e crenças pagãs. Em 369 e 370, ele permaneceu em casa.
Durante esse período ele leu o diálogo Hortensius de Cícero (hoje perdido), que deixou uma impressão duradoura sobre ele e despertou-lhe o interesse pela filosofia e passou a ser um seguidor do maniqueísmo.
Com 17 anos, graças à generosidade de um concidadão romano, o pai de Agostinho pode enviá-lo para Cartago para continuar sua educação na retórica. Vivendo como um pagão intelectual, ele tomou uma concubina; numa tenra idade, ele desenvolveu uma relação estável com uma mulher jovem em Cartago, com a qual teve um filho, Adeodato.
Durante os anos 373 e 374, Agostinho ensinou gramática em Tagaste. No ano seguinte, mudou-se para Cartago a fim de ocupar o cargo de professor da cadeira municipal de retórica, e permanecerá lá durante os próximos nove anos.
Desiludido pelo comportamento indisciplinado dos alunos em Cartago, em 383, mudou-se para estabelecer uma escola em Roma, onde ele acreditava que os melhores e mais brilhantes retóricos ensinaram. No entanto, Agostinho ficou desapontado com as escolas romanas, que ele encontrou apática. Quando chegou o momento para os seus alunos para pagar os seus honorários eles simplesmente fugiram.
Amigos maniqueístas apresentaram-lhe o prefeito da cidade de Roma, Symmachus, que tinha sido solicitado a fornecer um professor de retórica imperial para o tribunal provincial em Milão. Agostinho ganhou o emprego e ocupou o cargo no final de 384.
ConversãoEnquanto ele estava em Milão, Agostinho mudou de vida. Ainda em Cartago, começou a abandonar o maniqueísmo, em parte devido a um decepcionante encontro com um chefe expoente da teologia maniqueísta, Fausto.
Em Roma, ele relata ter completamente se afastado do maniqueísmo, e abraçou o movimento cético da Academia Neoplatónica. Sua mãe insistia para que ele se tornasse cristão e também seus próprios estudos sobre o Neoplatonismo também foram levando-o neste sentido, e seu amigo Simplicianus instou-o dessa forma também. Mas foi a oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que teve mais influência sobre a conversão de Agostinho.
A mãe de Agostinho havia-o seguido para Milão e insistiu para que abandonasse a relação com a mulher com quem vivia ilegalmente e procurasse outra para casar, conforme as leis do mundo e a doutrina cristã. A amada foi mandada de volta para a África e Agostinho deveria esperar dois anos para contrair casamento legal; mas logo ligou-se a uma concubina.
No verão de 386, após ter lido um relato da vida de Santo António do Deserto, de Santo Atanásio de Alexandria, que muito inspirou-lhe, Agostinho sofreu uma profunda crise pessoal. Decidiu se converter ao cristianismo católico, abandonar a sua carreira na retórica, encerrar sua posição no ensino em Milão, desistir de qualquer idéia de casamento, e dedicar-se inteiramente a servir a Deus e às práticas do sacerdócio.
A chave para esta transformação foi à voz de uma criança invisível, que ouviu enquanto estava em seu jardim em Milão, que cantava repetidamente, "Tolle, lege"; "tolle, lege" ("toma e lê"; "toma e ler"). Ele tomou o texto da epístola de Paulo aos romanos, e abriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: Não caminheis em glutonerias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites.
Ele narra em detalhes sua jornada espiritual em sua famosa "Confissões" (Confessions), que se tornou um clássico tanto da teologia cristã quanto da literatura mundial. Ambrosio batizou Agostinho, juntamente com seu filho, Adeodato, na Vigília da Páscoa, em 387, em Milão, e logo depois, em 388 ele retornou à África. Em seu caminho de volta à África sua mãe morreu, e logo após também seu filho, deixando-o sozinho, sem família.
BispoApós o regresso ao Norte da África, vendeu seu patrimônio e deu o dinheiro aos pobres. A única coisa com que ele ficou foi a casa da família, que se converteu em uma fundação monástica para si e um grupo de amigos.
Em 391, ele foi ordenado sacerdote em Hipona (atual Annaba, na Argélia). Em 396, foi eleito bispo coadjutor de Hipona (auxiliar, com o direito de sucessão depois da morte do bispo corrente) e pouco depois bispo principal. Ele permaneceu nessa posição em Hipona até sua morte em 430.
Ele deixou o seu mosteiro, mas continuou a levar uma vida monástica na residência episcopal. Ele deixou uma regra (latim, regulamentos) para seu mosteiro que o levou ser designado o "santo padroeiro do clero regular", isto é, sacerdotes que vivem por uma regra monástica.
Sua vida foi registrada pela primeira vez por seu amigo São Possídio, bispo de Calama, no seu Sancti Augustini Vita. Descreveu-o como homem de poderoso intelecto e um enérgico orador, que em muitas oportunidades defendeu a fé católica contra todos os detratores.
Possídio também descreveu traços pessoais de Agostinho com detalhe, desenhando um retrato de um homem que comia com parcimónia, trabalhou incansavelmente, desprezando fofocas, rejeitadando as tentações da carne, e que exerceu a prudência na gestão financeira conforme sua posição e autoridade de bispo.
Sua vida não é tranquila: missa diária, prega até duas vezes ao dia, dá catequese, administra bens temporais, resolve questões de justiça (cerca, muro, dívidas, brigas de família…), atende aos pobres e orfãos, etc.
Pouco antes da morte de Agostinho, a África romana foi invadida pelos Vândalos, uma tribo guerreira com simpatias com o Arianismo. Pouco depois de Hipona ser cercada pelos bárbaros Agostinho adoeceu; Possídio relata que ele gastou seus últimos dias em oração e penitência, pedindo para que os Salmos penitenciais de Davi fossem pendurados em sua parede para que ele pudesse ler. Pouco tempo após sua morte, os Vândalos levantaram o cerco de Hipona, mas não muito tempo depois eles voltaram e queimaram a cidade. Eles destruíram tudo, mas a catedral de Agostinho e a biblioteca ficaram inalteradas.
Agostinho foi canonizado por reconhecimento popular e reconhecido como um Doutor da Igreja. O seu dia é 28 de Agosto, o dia no qual ele supostamente morreu. Ele é considerado o santo padroeiro dos cervejeiros, impressores, teólogos e de um grande número de cidades e dioceses.
ObrasAgostinho foi um autor prolífico em muitos géneros - tratados filosóficos, teológicos, comentários de escritos da Bíblia, além de sermões e cartas.
Dele restaram algumas centenas de cartas (Epistulae) e de sermões (Sermones) considerados autênticos. Além disso, deixou 113 obras escritas.
Santo Agostinho é chamado de o "Doutor da Graça", por sua compreensão sobre o tema.
·           Textos autobiográficos:
As suas Confissões (Confesiones), escritas entre os anos 397-398, são geralmente consideradas como a primeira autobiografia. Agostinho descreve sua vida desde sua concepção até à sua então relação com Deus, e termina com um longo discurso sobre o livro do Génesis, no qual ele demonstra como interpretar as Escrituras. A consciência psicológica e auto-revelação da obra ainda impressionam leitores.
No fim da sua vida, Agostinho revisitou os seus trabalhos anteriores por ordem cronológica e sugeriu que teria falado de forma diferente numa obra intitulada Retratações, que nos daria uma imagem considerável do desenvolvimento de um escritor e os seus pensamentos finais.
·           Filosóficos:
Diálogos: Solilóquios, (Soliloquiorum libri duo), etc..
Contra acadêmicos (Contra academicos, em que combate o cepticismo).
Disciplinarum libri (é uma vasta enciclopédia com o fim de mostrar como se pode e se deve ascender a Deus a partir das coisas materiais. Não está acabada).
·           Apologéticos: Da vida religiosa livro I (De vera religione liber I), etc..
A Cidade de Deus, (iniciado c. de 413, terminado 426, uma de suas obras capitais, nela nos oferece uma síntese de seu pensamento filosófico, teológico e político.). O De civitate Dei libri XXII.
·           Dogmáticos:
Entre 399-422, escreveu A Trindade, uma das principais obras que apoia a crença na Santíssima Trindade de Deus. O De Trinitate libri XV.
Enquirídio (Enchiridion, ad Laurentium o De fide, spe et caritate liber I, é um manual de teologia segundo o esquema das três virtudes teológicas. Contém uma explicação do Credo, da Oracão do Padre Nosso e dos Preceitos Morais da Igreja Católica).
Da fé e do credo livro I (De fide et símbolo liber I), etc..
·           Morais e pastorais:
Contra mendacium, Da Catequese dos não instruídos livro I (De catechizandis rudibus liber I), Da continência livro I (De continentia liber I), Da paciência livro I (De patientia liber I), etc..
·           Monásticos:
Regula ad servos - a mais antiga das regras monásticas do ocidente.
·           Exegéticos:
A Sagrada Escritura teve um papel decisivo para Agostinho. Se pode destacar:
Da Doutrina Cristã livro IV (De doctrina christiana libri IV (é uma síntese dogmática que servirá de modelo para as Sententiae os pensadores da Idade Média), De Genesi ad litteram libri XII, Da harmonia dos evangelhistas livro IV (De consensu Evangelistarum libri IV, (foram escritos em resposta aos que acusavam os evangelistas de contradizer-se e de haver atribuído falsamente a Cristo a divinidade), etc..
·           Tratados:
Tratados sobre o Evangelho de João, (In Iohannis evangelium tractatus), As enarrações, ou exposições, dos Salmos, (Enarrationes in Psalmos), etc.
·           Polémicos:
Muitas de suas obras tem caráter polêmico por causa dos conflitos que ele enfrentou. Isso levou São Posídio a classificá-las conforme os adversários combatidos: pagãos, astrológos, judeus, maniqueus, priscilianistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.
De natura boni liber I, Psalmus contra partem Donati, De peccatorum meritis et remissione et de baptismo parvolorum ad Marcellium libri III (de 412, primeira teología bíblica da redencão, do pecado original e da necessidade do batismo), De gratia et libero arbitrio liber I (de 426, em que demonstra a necessidade da graça, da existência do livre arbitrío), De haeresibus, etc..
Pensamento
Em seu livro 'O Livre-arbítrio', Santo Agostinho tenta provar de forma filosófica de que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser tão bom, pudesse ter criado o mal.
A concepção que Agostinho tem do mal, esta baseada na teoria platônica, assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que "sobraria" quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto não poderia ter criado o mal.
No diálogo com seu amigo Evódio, Agostinho tenta explicar-lhe de que a origem do mal esta no Livre-Arbítrio concedido por Deus. Deus em sua perfeição, quis criar um ser que pudesse ser autônomo e assim escolher o bem de forma voluntária. O homem, então, é o único ser que possuiria as faculdades da vontade, da liberdade e do conhecimento. Por esta forma ele é capaz de entender os sentidos existentes em si mesmo e na natureza. Ele é um ser capacitado a escolher entre algo bom (proveniente da vontade de Deus) e algo mal (a prevalência da vontade das paixões humanas).
Entretanto, por ter em si mesmo a carga do pecado original de Adão e Eva, estaria constantemente tendenciado a escolher praticar uma ação que satisfizesse suas paixões (a ausência de Deus em sua vida). Deus, portanto, não é o autor do mal, mas é autor do livre-arbítrio, que concede aos homens a liberdade de exercer o mal, ou melhor, de não praticar o bem.
Influência como pensador e teólogo
Na história do pensamento ocidental, sendo muito influenciado pelo platonismo e neoplatonismo, particularmente por Plotino, Agostinho foi importante para o "baptismo" do pensamento grego e a sua entrada na tradição cristã e, posteriormente, na tradição intelectual europeia. Também importantes foram os seus adiantados e influentes escritos sobre a vontade humana, um tópico central na ética, que se tornaram um foco para filósofos posteriores, como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, mas ainda encontrando eco na obra de Albert Camus e Hannah Arendt (ambos os filósofos escreveram teses sobre Agostinho).
É largamente devido à influência de Agostinho que o cristianismo ocidental concorda com a doutrina do pecado original. Os teólogos católicos geralmente concordam com a crença de Agostinho de que Deus existe fora do tempo e no "presente eterno"; o tempo só existe dentro do universo criado.
O pensamento de Agostinho foi também basilar na orientação da visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo portanto mais importante. Agostinho afirmava que a interpretação das escrituras deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação do livro bíblico do Gênesis, como o que chamaríamos hoje de um "texto alegórico", iriam influenciar fortemente a Igreja medieval, que teria uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.
Tomás de Aquino tomou muito de Agostinho para criar sua própria síntese do pensamento filosófico grego e do cristão. Dois teólogos posteriores que admitiram influência especial de Agostinho foram João Calvino e Cornelius Otto Jansenius.
Filósofo e Teólogo de Hipona, Norte da África. Polemista capaz, pregador de talento, administrador episcopal competente, teólogo notável, ele criou uma filosofia cristã da história que continua válida até hoje em sua essência.Vivendo num tempo em que a velha civilização clássica parecia sucumbir diante dos bárbaros, Agostinho permaneceu em dois mundos, o clássico e o novo medieval.
Nascido em 354, na casa de um oficial romano na cidade de Tagasta em Numidia, no norte da África, era filho de um pai pagão, Patrício, e de uma mãe crente, Mônica. Apesar de não serem ricos, era uma família respeitada. Sua mãe dedicou-se à sua formação e conversão à fé cristã.
Com muito sacrifício, seus pais lhe ofereceram o melhor estudo romano. Seus primeiros anos de estudo foram feitos na escola local, onde aprendeu latim à força de muitos açoites. Logo, foi enviado para a escola próximo a Madaura, e em 375 à Cartago, para estudar retórica.
Longe da família, Agostinho se apartou da fé ensinada por sua mãe, e entregou-se aos deleites do mundo e a imoralidade com seus amigos estudantes. Viveu ilegitimamente com uma concubina durante treze anos, a qual lhe concedeu um filho, Adeodato, em 372. O mesmo morreu cerca do ano 390.
Na busca pela verdade, ele aceitou o ensino herético maniqueísta, o qual ensinava um dualismo radical: o poder absoluto do mal -- o Deus do Antigo Testamento, e o poder absoluto do bem -- o Deus do Novo Testamento. Nesta cegueira ele permaneceu nove anos sendo ouvinte, porém, não estando satisfeito, voltou à filosofia e aos ensinos do Neo-platonismo. Ensinou retórica em sua cidade natal e em Cartago, até quando foi para Milão, Itália, em 384. Em Roma, foi apontado pelo senador Símaco como professor de retórica em Milão, e depois para a casa imperial. Como parte de seu trabalho, ele deveria fazer oratórias públicas honrando o imperador Valenciano II.
Sua Conversão No ano 386, quando passava várias crises em sua vida, Agostinho estava meditando num jardim sobre a sua situação espiritual, e ouviu uma voz próxima à porta que dizia: “Tome e Leia”. Agostinho abriu sua Bíblia em Romanos 13.13,14 e a leitura trouxe-lhe a luz que sua alma não conseguiu encontrar nem no maniqueísmo nem no neo-platonismo. Com sua conversão à Cristo, ele despediu sua concubina e abandonou sua profissão no Império. Sua mãe, que muito orara por sua conversão, morreu logo depois do seu batismo, realizado por Ambrósio na Páscoa de 387. Uma vez batizado, regressou um ano depois para Cartago, Norte da África, onde foi ordenado sacerdote em 391. Em Tagasta, ele supervisionou e instruiu um grupo de irmãos batizados chamados de “Servos de Deus”. Cinco anos depois, foi consagrado bispo de Hipona por pedido daquela congregação, onde permaneceu até sua morte. Daí até sua morte em 430, empenhou-se na administração episcopal, estudando e escrevendo.
Suas Obras Agostinho é apontado como o maior dos Pais da Igreja. Ele deixou mais de 100 livros, 500 sermões e 200 cartas.



A História de João Calvino


João Calvino (Noyon, 10 de Julho de 1509 — Genebra, 27 de Maio de 1564) foi um teólogo cristão francês. Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, uma influência que continua até hoje. Portanto, a forma de Protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecido por alguns pelo nome Calvinismo, mesmo se o próprio Calvino teria repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do Protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos da América.
João Calvino 
 foi um teólogo cristão francês

Nascido na Picardia, ao norte da França, foi batizado com o nome de Jean Cauvin. A tradução do apelido de família "Cauvin" para o latim Calvinus deu a origem ao nome "Calvin", pelo qual se tornou conhecido.
Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto, gradualmente, como a voz do movimento protestante, pregando em igrejas e acabando por ser reconhecido por muitos como "padre". Vítima das perseguições aos protestantes na França, fugiu para Genebra em 1536, onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se definitivamente num centro do protestantismo Europeu e João Calvino permanece até hoje uma figura central da história da cidade e da Suíça.
Martinho Lutero escreveu as suas 95 teses em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos, Calvino terá sido para a língua francesa aquilo que Lutero foi para a língua alemã - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana. Citando Bernard Cottret, biógrafo (francês) de Calvino: "Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-cartesiano, percursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo".
Noyon
O avô de João Calvino trabalhava numa cantina em Point-l'Évêque, nas proximidades de Noyon. Teve três filhos: Richard (Ricardo), que foi serralheiro e se instalou em Paris, Jacques (Jaime ou Tiago), igualmente serralheiro e, finalmente, Gérard (Geraldo) Cauvin, pai de João Calvino, que foi aquele que talvez mais se destacou dos três, tendo feito carreira em Noyon como funcionário administrativo.
Gérard Cauvin estabeleceu-se em Noyon em 1481. Foi inicialmente um simples secretário da chancelaria. Seria, depois, advogado representante do bispado de Nyon; mais tarde, funcionário relacionado com a cobrança de impostos e, finalmente, o promotor (representante) do bispado, antes de entrar em conflito com este. Faleceu em 1531 após uma disputa com o bispado, pela qual foi excomungado. A autorização para o seu funeral seria deveras dificultada devido a esta querela.
A mãe de Calvino, Jeanne Le Franc, de seu nome de solteira, era filha de um dono de uma hospedaria em Cambrai, que tinha enriquecido. Jeanne faleceu em 1515, quando João Calvino tinha apenas 6 anos de idade.
Gérard e Jeanne tiveram quatro filhos:
· Patricia
· Charles (Carlos) - o mais velho, foi padre. Faleceu em
· ·1536.
· João Calvino.
· Antoine (Antônio) - iria mais tarde viver em Genebra, junto do irmão.
· François (Francisco) - morreu ainda em tenra idade.
Haveria ainda duas irmãs, que nasceram do segundo casamento de Gérard. Uma chamou-se Marie (Maria) e iria também viver em Genebra. Da outra irmã sabe-se pouco.
João Calvino nasce a 10 de julho de 1509, nos últimos anos do reinado de Luís XII. Frequentou inicialmente o "Collège des Capettes" em Nyon, onde adquiriu conhecimentos básicos de latim.
Em 1 de Janeiro de 1515 o rei Francisco I de França (François, roi des françois), sucedeu a Luís XII. Inicialmente moderado em matéria de religião, a postura deste rei foi endurecendo ao longo do seu reinado, terminando na perseguição declarada dos protestantes.
Pela Concordata de Bolonha, assinada no início do seu reinado, o papa Leão X concedia ao rei da França o direito a nomear os titulares dos rendimentos da igreja. Em contrapartida, o Papa via reforçados os seus direitos sobre a Igreja em França.
Paris
Em 1521, com doze anos, João Calvino ganhou o direito a uma "benefice", ou seja, um rendimento anual que era concedido a elementos e familiares da hierarquia da igreja. No seu caso, consistia numa determinada quantia anual de cereais pagos por uma comunidade de La Gésine.
Em 1521 ou 1523 (data incerta) o pai enviou-o a Paris. Terá provavelmente vivido inicialmente com o tio Richard, na zona de Sain-Germain-l'Auxerrois. Calvino começa por frequentar o Collège de la Marche, onde foi aluno de Maturin Cordier, um grande pedagogo do tempo. Estabeleceu, aí, amizade com as crianças da família d'Hangest, do bispo de Noyon, que se assumia, de certa forma, como protector dos Cauvins. Os seus amigos eram Joachin (Joaquim), Yves (Ivo) e Claude (Cláudio), a quem mais tarde dedicaria o seu comentário a "De Clementia" de Séneca, um autor conhecido pelo seu estoicismo.
Foi, de seguida, admitido no Collège Montaigu, uma escola de má reputação, conhecida pela sua rigidez, pelas sovas e má comida. A lista de professores em Montaigu, nesta época, incluía o espanhol Antonio Coronel e o escocês John Mair (que foi professor de Inácio de Loyola), mas não há provas definitivas de que eles tenham sido professores de Calvino.
Em fevereiro de 1525, o rei Francisco I foi encarcerado temporariamente em Pavia pelas tropas do imperador Carlos V. Com a intervenção do papa Clemente VII a favor de Francisco, a influência papal junto do rei de França aumenta consideravelmente. Numa bula de 17 de Maio de 1525 dirige-se a Francisco para que tome providências contra o crescente número de "blasfemos" em França e contra os ataques a imagens religiosas.
Em 1 de Junho de 1528 teve lugar em Paris o caso da Rue des Roisiers. Uma figura de madeira situada nessa rua (uma madona) foi decapitada por desconhecidos. O rei reage de forma veemente, organizando procissões, que passaram a ser repetidas anualmente. O incidente ainda era lembrado no século XIX.
Orleães
Em 1529, pouco antes de atingir os vinte anos de idade, a vida de Calvino sofreu uma súbita viragem. Vindo inicialmente para Paris com uma renda anual concedida pela Igreja, com o fim de estudar Teologia, ficará a saber que o pai mudou de planos em relação ao seu futuro e quer que ele siga Direito. A "ciência das leis torna normalmente ricos aqueles que se debatem com ela", referia o seu pai (ele próprio um advogado do bispado), segundo as próprias palavras de Calvino. Cumpriu a vontade do pai e foi estudar Direito para Orleães, mas nunca deixou de preferir a teologia. Como disse mais tarde: "Se Deus me deu forças para que eu cumprisse a vontade de meu pai, determinou ele pela providência oculta que eu tomasse finalmente um outro caminho" (o da Teologia). Inicialmente Calvino preparava-se para ser padre, enveredaria pelo estudo do direito, mas Deus trouxe-o de novo ao caminho da Teologia.
O biógrafo francês de Calvino, Bernard Cottret, escreve: "Direito e leis: Calvino, o teólogo, é no fim, também, Calvino, o jurista. O seu pensamento fica marcado pela austeridade, a adstringência e a geometria da lei, pelo seu fascínio ou aspiração a ela. No início do século XVI assiste-se no Direito a uma verdadeira revolução. A retórica de Cícero toma a primazia sobre a filosofia medieval, que se sustenta nos seus silogismos. Com a interpretação de textos jurídicos, Calvino toma contacto pela primeira vez com a Filologia humanista". O humanismo e o renascimento são, pois, os movimentos culturais que o vão influenciar em primeiro lugar.
Em Orleães, Calvino foi influenciado pelo seu professor Pierre de l'Estoile. Em 1529, dirige-se também a Bourges, para assistir a aulas do famoso professor de direito italiano Andrea Alciati, onde também assiste a aulas do alemão Gräzist Wolmar, que o entusiasmou pela literatura grega da antiguidade.
Em 1529, Louis de Berquin foi queimado vivo em Paris, numa altura em que o rei, Francisco, estava fora da cidade.
Em 1531, Calvino, num prefácio ao livro de um amigo, toma partido pelo seu professor Pierre de l'Estoile num texto que explora a disputa entre este e Andrea Alciati, talvez por lealdade e nacionalismo. O que prova que o Calvino de 1531 ainda não é um reformador mas, acima de tudo, um humanista. Neste mesmo ano morre o pai, Gerard Cauvin. Calvino vai a Bourges, a Orleães e regressa de novo a Paris, onde se instala em Chaillot.
Em 1532, foi doutorado em Direito em Orleães. O seu primeiro trabalho publicado foi um comentário sobre o texto do filósofo romano Séneca "De Clementia". Calvino cobre os custos da publicação do livro com dinheiro do seu próprio bolso. Aos 23 anos era já um famoso humanista, seguindo os passos de Erasmo de Roterdão, que também escreveu sobre Séneca nestes anos. Em "De Clementia" não há da parte de Calvino uma alusão explicitamente religiosa. É antes uma obra que reflecte o estoicismo de Séneca e a predestinação no sentido estóico. Séneca escrevera o texto como forma de apelar Nero à moderação e à razão.
Até 1532 não há, como se viu, qualquer indício de que Calvino tenha aderido à nova fé - nos seus diferentes focos e graus que surgem pela Europa - onde o Luteranismo surge como um movimento mais moderado e os anabaptistas como uma força mais radical.
A conversão de Calvino ao protestantismo permanece envolta em mistério. Sabe-se apenas que ela se deu entre 1532 e 1533 (Calvino tem 23 ou 24 anos). Um texto escrito por Calvino em 1557 como prefácio ao seu comentário sobre os salmos oferece-nos alguns parcos pormenores:
"Após tomar conhecimento da verdadeira fé e de lhe ter tomado o gosto, apossou-se de mim um tal zelo e vontade de avançar mais profundamente, de tal modo que apesar de eu não ter prescindido dos outros estudos, passei a ocupar-me menos com eles. Fiquei estupefacto, quando antes mesmo do fim do ano, todos aqueles que desejavam conhecer a verdadeira fé me procuravam e queriam aprender comigo - eu, que ainda estava apenas no início! Pela minha parte, por natureza algo tímido, sempre preferi o sossego e permanecer discreto, de modo que comecei a procurar um pequeno refúgio que me permitisse recolher dos Homens. Mas, pelo contrário, todos os meus refúgios se tornavam em escolas públicas. Em resumo, apesar de eu sempre ter pretendido viver incógnito, Deus guiou-me por tais caminhos, onde não encontrei sossego, até que ele me puxou para a luz forte, contrariando o meu carácter, e como se costuma dizer, me colocou em jogo. E, na verdade, deixei a França e dirigi-me para a Alemanha para que ali pudesse viver em local desconhecido, incógnito, como sempre tinha desejado."
Note-se que a França e Alemanha não existiam no sentido de hoje mas sim em termos de zonas de língua francófona ou alemã.
Entretanto, o papa Clemente VII pressionava o rei de França a reprimir os protestantes franceses. Em bulas de 30 de Agosto de 1533 e de 10 de Novembro do mesmo ano, o papa exortava à "aniquilação da heresia Luterana e de outras seitas que ganham influência neste reino". Os dois encontram-se, então, nesse mesmo ano, em Marselha, onde discutem entre outras coisas a "guerra contra os turcos, lá fora, e a repressão das heresias cá dentro".
O discurso de Nicolas Cop
A 1 de Novembro de 1533, o novo reitor da Universidade de Paris, o humanista Nicolas Cop, proferiu um discurso de abertura do ano lectivo na Igreja dos Franciscanos, em Paris, frente aos mais altos representantes das 4 faculdades: Teologia, Direito, Medicina e Artes. O seu discurso fazia eco de temas facilmente associados à nova teologia da reforma. Nesse discurso, Nicolas fez, particularmente, o paralelismo entre a perseguição aos primeiros cristãos e a que ocorria agora, século XVI, na França, e que visava os cristãos protestantes. Argumentava: Não eram também chamados de heréticos os primeiros seguidores do cristianismo? O resultado foi a perseguição do próprio Nicolas Cop, que teve de se refugiar em Basileia.
Simultaneamente, João Calvino fugia também de Paris. O seu quarto no Collège de Fortet é revistado, e seus papéis e correspondência são confiscados. Calvino encontra refúgio em Angoulême, em casa do seu amigo Du Tillet.
Não foi até hoje esclarecido completamente o que se passou. Encontrou-se, contudo, em Genebra, um fragmento do discurso de Nicolas Cop, escrito pela mão de Calvino. O documento original completo encontra-se em Estrasburgo. Foi levantada a tese de que Calvino poderia, pelo menos, ter participado na elaboração do discurso.
Calvino permanece em Angoulême até Abril de 1534, altura em que se dirige a Nérac, onde se encontra com Lefèvre d'Étaples. Regressa depois a Noyon, onde em Maio de 1534 renuncia às suas "benefices". Volta, então, a Paris e a Orleães.
A Psychopannychia
Em 1534, Calvino escreve o seu segundo livro, que será também o primeiro sobre religião. Chamar-se-á "Psychopannychia", palavra que deriva do grego e que significa: "O sono da alma". É um livro relativamente pouco conhecido, em comparação com as outras obras de Calvino. Calvino faz uma crítica severa aos anabaptistas, que acusa de serem uma seita tresmalhada. O livro coloca questões teológicas, mais do que oferecer respostas. Calvino, nos seus 24 anos de idade, está em processo de busca. Defende nessa obra a imortalidade da alma. O título completo era: "Psychopannychia - tratado pelo qual se prova que as almas permanecem vigilantes e vivas uma vez que tenham deixado os corpos, o que contraria o erro de alguns ignorantes que sustentam que elas dormem até ao último momento" - o que é, também, um ataque aos anabaptistas. Apesar de escrito em 1534, o livro seria apenas publicado em 1542.
O caso dos cartazes de 1534
Em 18 de Outubro de 1534, a história do protestantismo francês vive um dos seus momentos fulcrais, com o caso dos cartazes. Cartazes de 37 por 25 centímetros que criticam a celebração da missa tal como ela é feita oficialmente pela Igreja católica são afixados em vários locais. É particularmente atacada a repetição sacrificial da morte de Cristo, simbólica, no altar. Se o sacrifício já foi consumado, por que se apoderam os sacerdotes católicos deste ritual simbólico? Os argumentos teológicos dos protestantes fundamentam-se na Epístola de São Paulo aos Hebreus. A propaganda protestante pretende transmitir a ideia de que a eucaristia segundo a concepção católica é uma blasfémia, uma vez que a morte de Cristo não se deixa repetir. Esta demanda foi o resultado da acção de Antoine Marcourt, Pastor de Neuchâtel, também ele um natural da Picardia. A situação tornou-se particularmente crítica e descambou numa reacção brutal por parte da Igreja católica e do estado francês.
Protestantes franceses seriam encarcerados e assassinados. Em Janeiro de 1535, o rei Francisco I organiza uma procissão macabra pelas ruas de Paris. A procissão pára em 6 locais distintos. Em cada uma das paragens há um pódio onde o rei, os embaixadores e dignos membros do "parlement" se instalam para assistir à morte pela fogueira de 6 "heréticos" envolvidos no caso dos cartazes do ano anterior.
Em Janeiro de 1535, Calvino dirige-se a (ou foge para ?) Basileia, cidade onde vive até Março de 1536. Uma cidade conhecida por ter sido o lar de Erasmo de Roterdão e do reformador Johannes Oekolampad, falecido em 1531, sendo o seu seguidor Oswald Mykonius.
A tradução da bíblia de Olivétan
Em 1535 é publicada a primeira bíblia traduzida por um protestante, em francês. Tratava-se de uma tradução directa do Hebraico (o antigo testamento) e do Grego (o novo testamento) - línguas originais das escrituras - e não das versões então em uso, em latim. Algo totalmente natural no século do humanismo e de Erasmo de Roterdão. O autor é Olivétan, aliás Pierre Robert (1506-1538), primo de João Calvino e proveniente também de Noyon. Foi publicada em Neuchâtel por Pierre de Vingle.
Apesar de Pierre Robert ter demonstrado um bom conhecimento de Hebraico e Grego, o seu estilo de escrita foi considerado de difícil compreensão, além de uma certa falta de fluidez discursiva. O texto seria revisto (com a colaboração de Calvino) e publicado novamente em 1546.
O Édito de Coucy
Em 16 de Julho de 1535, o rei Francisco I faz publicar o Édito de Coucy, uma medida de contemporização para com os protestantes e que corresponde também a uma nova guerra de Francisco I contra Carlos V (Guerra de 1535-1538). Necessitando do apoio dos protestantes alemães para o esforço de guerra e não convinha, necessariamente, perseguir os "Luteranos" em França. É prometido que se deixarão os protestantes em paz desde que vivam como "bons cristão" e renunciem à sua fé. Mas, em Dezembro de 1538, o Édito de Coucy é suspenso e as perseguições aos protestantes retomam a intensidade anterior.
Institutio religionis Christianae
Em Março de 1536 é publicada em Basileia a primeira edição de "Institutio religionis Christianae". No prefácio menciona a sua estadia em Basileia, "enquanto na França são queimados na fogueira crentes e pessoas santas". Fala de santos mártires. Dirige-se no livro ao Rei Francisco I, que procura convencer das boas intenções da Reforma. Ao mesmo tempo, a sua teologia começa a adquirir contornos mais marcados e mais autónomos em relação ao Luteranismo. Uma tendência que se fortalecerá no futuro. Critica a vida dos mosteiros, que compara a bordéis. Calvino pretende não só a reforma da Igreja mas de todos os indivíduos. A institutio é "a organização da sociedade daqueles que acreditam em Jesus Cristo".
Em Março de 1536, Calvino viaja até Ferrara na companhia de Louis Du Tillet. Calvino esperava um acolhimento aberto às ideias protestantes na sua estadia em Ferrara. Enganava-se. Teria de interromper a visita logo em Abril. Foi então até Paris. Mas Calvino não tem futuro em França. Numa carta ao amigo Nicolas Duchemin, compara a sua situação com a dos judeus no Egipto. A França era o seu Egipto. Queixa-se na mesma carta dos rituais da missa, considerando-os idólatras. Calvino sai definitivamente da França em 1536, procurando terras politicamente independentes da França e de espíritos mais abertos para a reforma. Dirige-se, então, para cidades dos territórios que hoje constituem a Suíça.
A reforma em Genebra
Genebra é nesta altura já uma cidade de espíritos progressivos e abertos para a reforma protestante. Politicamente, a cidade está desde 1285 sob vassalagem aos condes de Sabóia ou à casa episcopal (ao bispo de Genebra), quase sempre ocupada por um bispo também da casa de Sabóia desde que o papa Félix V (Amadeu VIII de Sabóia) se autonomeou bispo da cidade. Na prática, no entanto, Genebra é quase uma cidade-estado, uma república que desde cedo se emancipou na conquista da sua liberdade municipal. Em 1522 inicia-se um conflito entre os pejorativamente chamados "mamelucos", que são conservadores e partidários da casa de Sabóia e os "confederados" (alemão: Eidgenossen; francês: Eidguenot) de onde possivelmente se formará a palavra Huguenotes (francês: huguenot). Estes últimos opõem-se a Sabóia. Em 1524, Karl III, Duque de Sabóia, tinha ocupado militarmente Genebra. Porém, em 1526, Genebra decide-se pela união com Berna e Friburgo, iniciando-se no caminho helvético. A reforma protestante não terá tido um papel determinante neste processo, segundo Bernard Cottret. Mas a partir daqui começam a reunir-se em Genebra elementos da Reforma. Em 1533 há o primeiro culto protestante de que há conhecimento nesta cidade. São então cunhadas moedas com a inscrição: "Post tenebras lux" (após a escuridão, a luz).
O ano de 1536 marca uma viragem na cidade de Genebra. Neste ano, a reforma é adoptada oficialmente pela cidade. Os cléricos da igreja católica são intimados a deixar de celebrar a missa como o faziam, com o cerimonial papista e seus abusos (idolatria, aos olhos dos protestantes) e a juntarem-se aos protestantes. Num novo fôlego de zelo religioso, as raparigas são obrigadas a usar o véu, cobrindo os seus cabelos. Já desde 1532 que se registavam ataques e destruições de imagens religiosas, estátuas, figuras, etc. A adoração destas figuras era vista pelos protestantes como idolatria. Há um episódio carismático deste fenómeno: num destes ataques à "idolatria papista", uma multidão apodera-se de cerca de 50 hóstias de um padre, dando-as a comer a cão. "Se as hóstias pertencem mesmo ao corpo de Deus, não se irão deixar comer por um cão!" - é argumentado. Em Junho de 1536, são abolidos em Genebra, por decisão de um conselho, todos os feriados, excepto os domingos. Todas estas transformações deram-se sem a influência de Calvino. Aliás, ainda nem sequer aí tinha chegado.
Chegada de Calvino a Genebra
1536 é também o ano da chegada de Calvino a Genebra. Calvino tem nessa altura 26 anos.
Após a estadia em Ferrara, na Primavera de 1536, Calvino tinha estado em Paris, aproveitando-se de um período de relativa calma na perseguição aos protestantes. Tratou de assuntos pessoais e da família. Em junho faz em Paris uma procuração em nome do seu irmão. Em Julho de 1536, João Calvino, pretendendo dirigir-se a Estrasburgo, inicia a viagem, juntamente com o irmão Antoine e a irmã Marie. Em vez de tomar o caminho mais curto, Calvino faz um desvio pelo sul, evitando a área onde a guerra entre as forças de Francisco I e Carlos V são uma ameaça. Por coincidência, Calvino chega a Genebra, onde permaneceu, apesar de ter inicialmente pretendido continuar viagem, o que foi vivamente desaconselhado pelo reformador Guillaume Farel (na altura de 47 anos de idade). O caminho para Estrasburgo encontrava-se inseguro por causa da guerra. A Genebra que Calvino encontra vive ainda a agitação dos conflitos entre Mamelucos e Confederados.
João Calvino já tinha viajado até Estrasburgo durante as guerras otomanas, e passado através dos cantões da Suíça. Aquando da sua estadia em Genebra, Guillaume Farel pediu ajuda a Calvino na sua causa pela igreja. Calvino escreveu sobre este pedido: "senti como se Deus no céu tivesse colocado a sua poderosa mão sobre mim para barrar-me o caminho"". 18 meses depois, as mudanças de Calvino e Farel levariam à expulsão de ambos.
A disputa teológica de Lausanne
Entre 1 e 8 de Outubro de 1536, tem lugar na Catedral de Notre-Dame em Lausanne uma disputa teológica entre protestantes e católicos, na qual Calvino e Farel vão participar. Este tipo de conferências de disputa tem por modelo os debates que Ulrico Zuínglio tinha organizado em Zurique (1523) e Berna (1528). Do lado católico encontra-se Pierre Caroli, que iria acusar, em Berna, Calvino e Farel de heresia. Calvino é também acusado por Caroli de arianismo.
A saída atribulada de Genebra
A 16 de Janeiro de 1537, as autoridades da cidade de Genebra aprovam o documento escrito pelo líder protestante Farell, que se destina a servir de confissão de fé e orientação para todos os habitantes de Genebra. Calvino faz também algumas sugestões, parte das quais são rejeitadas. Cerca de vinte artigos dispõem, entre outras coisas, que os idolatras, querulantes, assassinos, ladrões, bêbados (entre outros) sejam futuramente excomungados. As lojas devem fechar ao domingo, assim que soem os sinos da missa.
Estas disposições, apesar de aceites pelas autoridades vão criar atritos com Farell e Calvino. O estigma da excomunhão é extremamente discriminador e destruidor de relações sociais no século XVI.
Em Março, os líderes anabaptistas de origem holandesa Hermann de Gerbihan e Benoît d'Anglen são expulsos de Genebra, juntamente com os seus seguidores.
Em Abril de 1537, por sugestão de Calvino, é constituido um "syndic" (síndico) que tem por objectivo ir de casa em casa e inquirir sobre a confissão dos moradores. A acção é contestada. Alguns moradores recusam-se a pronunciar-se sobre a sua fé.
Em junho de 1537 as autoridades de Genebra decidem que o Domingo é o único dia feriado. Futuramente nenhum outro feriado será considerado. 30 de Outubro é definido como o prazo para todos os moradores de Genebra se pronunciarem quanto à sua religião. Aqueles que não reconhecem os decretos de Farell são obrigados a deixar a cidade em 12 de Novembro. Após esta data, a situação complica-se para Farell e Calvino. Particularmente provocante é o facto de um estrangeiro (francês), como Calvino, decidir sobre a excomunhão e expulsão de habitantes naturais de Genebra. As autoridades, perante estes protestos, passam a ser mais críticas para com os líderes protestantes.
A 3 de Fevereiro de 1538 são eleitos para as autoridades da cidade de Genebra 4 pessoas que são inimigos de Calvino e dos protestantes. Em Março, estas novas autoridades proíbem Calvino e Farell de se pronunciarem sobre assuntos não religiosos.
Calvino e Farell negam-se a celebrar a comunhão de acordo com a tradição de Berna. São proibidos de celebrar os serviços religiosos. No entanto, no Domingo seguinte, 21 de Abril de 1538, Farell e Calvino celebram o culto de Ceia como habitualmente, Farell na Igreja de Saint-Gervais e Calvino na de Saint-Pierre. As autoridades dar-lhes-ão três dias para saírem da cidade.
Estrasburgo
Em 1538, Farell irá refugiar-se em Neuchâtel. Calvino dirige-se a Estrasburgo, após ter inicialmente pretendido ir para Basileia. Estrasburgo era na altura parte da zona de língua alemã, mas a proximidade da fronteira com a França significava que ali se tinha desenvolvido uma comunidade de exilados franceses. Tal como em Genebra Farell reconhecera o potencial de Calvino, em Estrasburgo Martin Bucer será o protector de Calvino. Durante três anos Calvino dirigiu em Estrasburgo uma igreja de protestantes franceses, a convite de Bucer. Segundo o biógrafo Courvoisier, Estrasburgo é a cidade onde Calvino se torna verdadeiramente Calvino. O seu sistema de pensamento é aqui consubstanciado em algo de mais marcadamente original. A sua obra Institutio é aqui re-editada (1539). É agora três vezes maior do que a primeira edição.
Em Outubro de 1539, Pierre Caroli chega a Estrasburgo, onde permanece pouco tempo. Caroli e Calvino, inimigos desde há anos, têm uma disputa. Caroli está agora algures entre o catolicismo e o protestantismo. Ele acusa Calvino de o ter confundido na sua fé. Calvino sofre uma crise nervosa.
Neste Outono de 1539, Calvino escreve também um comentário à carta de Paulo aos Romanos. Este tema é particularemente querido do protestantismo, porque ali se encontra a justificação através da fé como a base de sustentação do movimento protestante, pois somente a fé salva e justifica. A igreja é por este prisma mais uma comunidade de crentes do que um enquadramento jurídico. Os sacramentos só recebem o seu sentido através da fé. Sem fé não têm qualquer efeito. Já Lutero tinha destacado a carta de Paulo aos romanos como o cerne do Novo Testamento e o mais alto do evangelho.
Matrimônio
Em Estrasburgo, Calvino casa-se em Agosto de 1540 com a viúva Idelette de Bure, que tinha sido previamente adepta do anabaptismo. Traz duas crianças do seu prévio casamento. Calvino tem 31 anos de idade. A cerimónia do casamento foi dirigida por Guillaume Farel. Em 1541 a peste negra (ou peste bubónica) recrudesce em Estrasburgo. Idelette e as duas crianças procuram abrigo em casa de um irmão dela, nas redondezas.
Regresso a Genebra
Após a expulsão de Calvino, Genebra tinha adoptado os ritos de Berna. O natal, ascensão de Cristo e outras festividades cristãs voltaram a ser praticadas. Mas os católicos e os anabaptistas continuavam a ser perseguidos e "convidados" a deixar a cidade. A 18 de Março de 1539 o jogo tinha sido proibido em Genebra. Pedintes e vagabundos eram expulsos da cidade. A ausência de Calvino não tinha significado qualquer laxismo na moral estrita imposta na cidade.
As relações de Genebra com Berna permanecem tensas. Entretanto, os líderes que se opunham a Calvino (os chamados "artichoques") começam a perder influência. São acusados de simpatia por Berna. Jean Philip (João Filipe), um de seus líderes, é torturado e decapitado em 1540. Os oponentes, favoráveis a Calvino, chamados de "guillermins" ganham o poder.
Calvino foi convidado em Outubro de 1540 a regressar a Genebra, para reaver o seu posto na igreja, tal como o tivera antes da expulsão. A 13 de Setembro de 1541 Calvino chegou, pela segunda vez, a Genebra, mas, desta vez, definitivamente. Começou, então, a organizar e estruturar, de acordo com as linhas bíblicas, os ministérios e a acção dos professores e diáconos.
Zelo religioso radical
São ainda de 1541 as propostas de Calvino, no sentido da reorganização da igreja. As "Ordonnances de 1541" dispõem a formação de quatro corpos:
· Pasteurs (pastores, que pregam)
· Docteurs (ensinam)
· Anciens (os mais velhos, que chamam à ordem aqueles que prevaricam)
· Diacres (diáconos, que ocupam-se dos pobres e doentes) - mendigar é estritamente proibido
É decidida também a criação de um consistório - composto de elementos da igreja e de laicos - que se reúne regularmente para julgar os comportamentos individuais, como um tribunal, "de acordo com a palavra de Deus", sendo a excomunhão de pessoas a mais grave sentença que pode decidir.
A eucaristia só é praticada quatro vezes por ano.
Em 1542, Calvino publica em Genebra o seu livro de catecismo: "Catéchisme de l'Église de Genève, c'est-a-dire, le formulaire d'instruire les enfants en la chrétienté". A chave do projecto de Calvino passa pela pedagogia. O seu objectivo é a profunda transformação das mentalidades. Cada resquício de superstição, de práticas de magia, ou de catolicismo é perseguido como idolatria.
O consistório, do qual Calvino fazia parte, ocupava-se desses e de outros casos. Refiram-se alguns:
· Em 1542, uma mulher chamada Jeanne Petreman é acusada de se recusar a participar da eucaristia, de dizer o pai-nosso em língua "romana" e de proclamar que a Virgem Maria era a sua defensora. Diz também que se nega a acreditar noutra fé que não a sua. É excomungada.
· Em 2 de Setembro de 1546, aparece em Genebra um franciscano que pedia na rua um jantar em nome de Deus e da Virgem Maria. Devemos pressupor que ele obteve o seu jantar mas foi também levado ao consistório, que logo constatou que o "papista" mal conhecia a bíblia, além de ser inofensivo. Foi expulso da cidade, para o lado da fronteira, com os católicos.
· A 23 de Junho de 1547 comparecem perante o consistório várias mulheres que tinham sido apanhadas a dançar - uma delas era a esposa de um dos membros do consistório. O caso ganhou contornos de escândalo. As mulheres foram condenadas a alguns dias de prisão, apesar de vários apelos. Em reacção à decisão, são colocados na cidade cartazes contra Calvino. O autor dos cartazes, Jacques Gruet, é torturado. Depois de confessar a sua autoria, é executado.
· Em 1548, Louis Le Barbier é interrogado sobre a sua fé. Declara que não tem fé. Entretanto, descobrem livros de bruxaria e de escórnio na sua posse. É admoestado perante o consistório mas não será perseguido.
Os nomes de baptismo são regulamentados. Devem ser nomes que figuram na Bíblia. Um decreto de 22 de Novembro de 1546 dispõe que certos nomes são proibidos, entre os quais:
· Suaire, Claude, Mama (lembram a idolatria)
· Baptistes, Juge, Evangéliste
· Dieu le Fils, Espoir, Emmanuel, Sauveur, Jésus (destinados apenas a nosso senhor)
· Sépulcre, Croix, Noël, Pâques, Chrétien (nomes estúpidos ou absurdos)
O luxo e a pompa são desprezados. Em setembro de 1558, Nicolas des Gallars, um amigo de Calvino, inicia uma grande campanha na cidade em desprezo do supérfluo, as modas entre as mulheres e as más leituras. São queimados vários exemplares do livro "Amadis de Gaula", na posse de um comerciante. O zelo religioso tomava a forma de censura moral.
Peste Negra em Genebra
Em 1542, há um surto de peste negra em Genebra. A peste negra permanecia então um fenómeno incompreensível - para lidar com a epidemia, era normal que se multiplicassem os casos de feitiçaria e de rituais contra a peste. Este tipo de práticas já era conhecido em Genebra antes da reforma e, tal como antes, os protestantes replicam com a perseguição, tortura e morte dos suspeitos. Aquelas que são identificadas como bruxas são queimadas vivas, enquanto se propaga a ideia de que estas desgraças são um castigo de Deus.
Em 1542, o filho de Calvino, Jacques, morre pouco depois de nascer em 28 de Julho.
Crescimento demográfico
A partir de 1542 e sobretudo na década de 1550, a cidade de Genebra vai conhecer um grande crescimento demográfico, com a chegada de refugiados franceses, protestantes perseguidos em França. Consequentemente, há uma fase de expansão económica (relojoaria, tecelagem...) e a língua francesa começa a ter preponderância sobre o dialecto franco-provençal da região.
Mas é também uma época marcada pelo crescimento de sentimentos xenófobos, em parte devidos a ressentimentos contra Calvino:
· Em Janeiro de 1546 é preso Pierre Ameaux, que tinha injuriado publicamente Calvino, ao referir-se a este como um "picard", pregador de uma falsa fé.
· Um outro senhor Ameaux é preso mais tarde por razões semelhantes. Este senhor tinha boas razões para não gostar do extremo zelo religioso imposto por Calvino, já que era fabricante de cartas de jogo. Foi condenado a percorrer a cidade de uma ponta à outra, descalço, em camisa, com uma vela na mão.
· A 23 de Setembro de 1547, François Favre comparece em tribunal por ter afirmado que Calvino se auto-nomeara bispo de Genebra e que os franceses tinham escravizado a sua cidade natal.
· Mais tarde, em 1548, um senhor chamado Nicole Bromet declara que os franceses deveriam ser todos colocados num barco e enviados pelo rio
· ·Reno abaixo.
Em 1547, Henrique II de França sucede a Francisco I. Henrique será um rei menos reconhecido, em comparação com Francisco. É caracterizado como menos carismático, menos entusiasta pelas artes e ciências, mais introvertido e frio.
Em 29 de Março de 1549 morre Idellete Calvino, após doença. Calvino não voltará a casar. Dedica-se ainda mais decididamente ao trabalho.
Em 1550 a repressão dos huguenotes em França cresce. É estabelecida a chambre ardente. A censura é fortalecida.
O caso Miguel Servet
Miguel Servet era um homem de cultura, um médico, interessado, entre muitas outras coisas, na religião. Como livre pensador, defendia que o dogma da Trindade não fazia qualquer sentido, sendo apenas um sofisma inventado no Primeiro Concílio de Niceia. Será perseguido pela Igreja Católica em França, através da Inquisição, por causa das suas teses. Escapa e dirige-se a Genebra, mas os protestantes mostraram-se não menos intolerantes para com as suas ideias.
A história da ligação entre Servet e Calvino começa já em 1534, ano em que ambos estiveram em Paris. Esteve nessa altura planejado um encontro que não chegou a realizar-se. No entanto, trocariam correpondência por vários anos.
O debate foi tornando-se numa azeda discussão. Um dos pontos principais da discussão epistolar continuava a ser a Santíssima Trindade. Perante a sua proposta para que Calvino lesse o manuscrito do seu Livro "Restitutio" (tendo-o enviado pelo correio), Calvino diz-lhe que deveria ler o seu "Institutio". Servet fê-lo e escreveu comentários críticos nas margens do texto que foram depois enviados a Calvino.
Calvino recebeu o manuscrito mas não lhe respondeu. Nem sequer devolveu o manuscrito do Restitutio, que Servet lhe pedia que remetesse. Calvino manteve o seu silêncio, cultivando preocupação em relação a Servet e às suas heresias. Teria, mais tarde, a sua oportunidade de se vingar.
No princípio de Abril de 1553 a Inquisição francesa recebeu misteriosamente a posse de documentos que compromentiam Servet. Entre eles, as cartas de Servet a Calvino. Ainda em 5 de Abril, Servet é ouvido pelos inquisidores. A 7 de Abril, porém, consegue escapar-se da prisão. Dirigiu-se a Genebra, talvez por pensar que entre os protestantes estaria a salvo da Inquisição. Enganou-se. Foi preso pelas autoridades da cidade de Genebra a 13 de Agosto.
O seu julgamento tornou-se um caso discutido. Foi pedida a opinião a padres de Berna, Zurique e outras cidades. A maioria desprezava Servet - a trindade era, na sua opinião, indiscutível.
Calvino, também acusado pelos católicos de arianismo, poderá ter visto aqui a oportunidade de mostrar que defendia o conceito trinitário, ao mesmo tempo que mostraria que também estava empenhado em perseguir os heréticos. Um herético do lado de lá da fronteira também é um herético dentro da cidade.
A 27 de Outubro de 1553 Miguel Servet é queimado vivo em Genebra.
Relacionamento com a reforma inglesa
Por volta de 1550, Calvino escreve ao rei Eduardo VI de Inglaterra, um protestante, encorajando-o nas suas reformas. O rei Eduardo VI fez acolher protestantes franceses, perseguidos no país natal. Após o reinado de Eduardo VI (1547-1553) o catolicismo regressa à Inglaterra sob a liderança de Maria Tudor.
Novas dificuldades
Entre 1553 e 1555, em Genebra, a relação tensa entre a igreja - particularmente o consistório, onde Calvino é uma figura de relevo - e as autoridades seculares da cidade, eleitas entre os habitantes (ricos) da cidade, atinge o seu auge. Discutia-se, então, a questão de saber se o consistório teria ou não o direito de excomungar pessoas, algo que se vinha a passar com relativa frequência. As amargas trocas de palavras entre estes dois pólos multiplicaram-se. Por um lado, o zelo religioso dos Calvinistas, do outro, a autoridade política da cidade. Em Janeiro de 1555 há uma procissão noturna de pessoas em Genebra, caminhando de vela na mão, com a pretensão de ridicularizar Calvino.
Apesar disso, e em parte por causa do peso relativo da população protestante francesa que se tinha refugiado na cidade, as eleições dos 4 novos "Syndics" de Genebra em Fevereiro de 1555 é favorável aos Calvinistas, que se impõem contra os "Enfants de Genève" sob a liderança de Perrin. Após as eleições, porém, há desacatos na rua entre as duas partes. Perrin e outros líderes da revolta são presos e serão decapitados e esquartejados. Os pedaços dos cadáveres foram, depois, exibidos nas ruas da cidade.
Também a doutrina da Predestinação foi muito atacada nestes anos, principalmente por um monge carmelita chamado Hiérome Bolsec, nascido em Paris, que se tinha estabelecido em Genebra. Argumentava que se Deus fosse o responsável por tudo o que se passa, então, também seria responsável pelos nossos pecados. Calvino responde que nunca disse isso e as autoridades apoiam-no. Em Berna, os críticos de Calvino são expulsos da cidade em 1555.
Em 1555 são erguidas as primeiras igrejas calvinistas em França, nomeadamente em Paris, Meaux, Angers, Poitiers e Loudun. Nos três anos seguintes surgem as comunidades de Orleães, Rouen, La Rochelle, Toulouse, Rennes e Lyon.
A 8 de Junho de 1558, Calvino escreve a Antoine de Bourbon, o Rei de Navarra e consorte de Jeanne d'Albret, exortando-o a seguir na sua vida privada os mesmos valores ascéticos que os seus súbditos.
Entre 26 e 29 de Maio de 1559 realiza-se em Paris um sínodo nacional protestante. Cerca de 30 paróquias aparecem aí representadas. O sínodo será responsável pela elaboração de um texto de linhas orientadoras (com a participação de Calvino na sua criação), que se chamará Confession de La Rochelle (texto confirmado nesta cidade em 1571).
Em 1559 Calvino fundou uma escola e um hospital.
Em Abril de 1559 é assinado o pacto de paz entre a França e a Espanha, em Cateau-Cambrésis.
Morte
Nos seus últimos anos de vida, a saúde de Calvino começou a vacilar. Sofrendo de enxaquecas, hemorragia pulmonar, gota e pedras nos rins foi, por vezes, levado carregado para o púlpito. Calvino continuava a ter detratores declarados que lhe dirigiam ameaças constantes.
Entretanto, apreciava passar os seus tempos livres no lago de Genebra, lendo as escrituras e bebendo vinho tinto. No fim de sua vida disse a seus amigos que estavam preocupados com o seu regime diário de trabalho: "Qual quê? Querem que o Senhor me encontre ocioso quando ele chegar?"
João Calvino morreu em Genebra a 27 de maio de 1564. Foi enterrado numa sepultura simples e não marcada, conforme o seu próprio pedido.
Publicações de Calvino
· De Clementia - Obra anotada de
· ·Séneca (1532)
· Psychopannychia (1534)
· Institutos da Religião Cristã
· publicado em Latim: 1536
· publicado em Francês: 1541
· · ·Catéchisme de l'Église de Genève (1542)
· Calvino também publicou vários volumes de comentários sobre a Bíblia.



A Comovente História de JOHN WESLEY

João Wesley ( 1703 - 1791 )

O céu, à meia-noite, era iluminado pelo reflexo sombrio das chamas que devoravam vorazmente a casa do pastor Samuel Wesley. Na rua, ouviram-se os gritos: "Fogo ! Fogo ! Contudo, a família do pastor continuava a dormir tranqüilamente, até que os escombros ardentes caíram sobre a cama de uma filha, Hetty. A menina acordou sobressaltada e correu para o quarto do pai. Sem poder salvar coisa alguma das chamas, a família foi obrigada a sair casa a fora, vestidos apenas com as roupas de dormir, numa temperatura gélida.

A ama, ao ser despertada pelo alarme, arrebatou a criança menor, Carlos, do berço. Chamou os outros meninos, insistindo que a seguissem, desceu a escada; porém, João, que não contava cinco anos e meio, ficou dormindo.

Três vezes a mãe, Susana Wesley, que se achava doente, tentou, debalde, subir a escada. Duas vezes o pai tentou, em vão, passar pelo meio das chamas, correndo. Sentindo o perigo, ajuntou a família no jardim, onde todos caíram de joelhos e suplicaram a favor da criança presa pelo fogo.

Enquanto a família orava, João acordou e, depois de tentar descer pela escada, subiu numa mala que estava em frente a uma janela, onde um vizinho o viu em pé. O visinho chamou outras pessoas e conceberam o plano de um deles subir nos ombros de um primeiro enquanto um terceiro nos ombros do segundo, e alcançaram a criança. Dessa maneira, João foi salvo da casa em chama, apenas instantes antes do teto cair com grande fragor.

O menino foi levado, pelos intrépidos homens que o salvaram, para os braços do pai. " Cheguem, amigos ! ", clamou Samuel Wesley, ao receber o filhinho, " ajoelhemo-nos e agradecemos a Deus ! Ele me restituiu todos os meus filhos; deixem a casa arder; os meus recursos são suficientes ". Quinze minutos depois, casa, livros, documentos e mobiliários, não existiam mais. 

João Wesley ( 1703 - 1791 )


Anos depois, em certa publicação, apareceu o retrato de João Wesley e embaixo a representação de uma casa ardendo em fogo, com as palavras :
" Não é este um tição tirado do fogo ? " ( Zacarias 3: 2 ). 

O historiador Lecky, nomeia o Grande Avivamento como sendo a influência que salvou a Inglaterra de uma revolução, igual à que, na mesma época, deixou a França em ruínas. Dos quatro vultos que se destacaram no Grande Avivamento, João Wesley era maior. Jônatas Edwards, que nasceu no mesmo ano que Wesley, faleceu trinta e três anos antes dele; Jorge Whitefield, nascido onze anos depois de Wesley, faleceu vinte anos antes dele; e Carlos Wesley continuou o seu itinerário efetivo somente dezoito anos, enquanto João continuou durante meio século.

Mas a biografia deste célebre pregador, para ser completa, deve incluir a história de sua mãe, Susana. De fato, é como certo biógrafo escreveu : " Não se pode traçar a história do Grande Avivamento do século passado ( 1700 ), na Inglaterra, sem dar uma grande parte da herança merecida à mãe de João e Carlos Wesley; isso não somente por causa da instrução que inculcou profundamente aos filhos, mas por causa da direção que deu ao avivamento " .

A mãe de Susana era filha de um pregador. Esforçada na obra de Deus, casou-se com o eminente ministro, Samuel Annesley. Dos vinte e cinco filhos desse enlace , Susana era a vigésima quarta. Durante a vida, seguiu o exemplo da sua mãe, passando uma hora de madrugada e outra à noite, orando e meditando sobre as Escrituras. Pelo que ela escreveu certo dia, vê-se como ela se dedicava à oração: " Que Deus seja louvado por todos os dias em que nos comportamos bem. Mas estou ainda descontente, porque não desfruto muito de Deus; sei que me conservo demasiadamente longe dele; anseio ter a alma mais intimamente ligada a Ele pela fé e amor " .

João era o decimo-quinto filho dos dezenove filhos de Samuel e Susana Wesley. O que vamos transcrever, escrito pela mãe de João, mostra como ela era fiel em " ordenar a seus filhos e a sua casa " depois dela ( Gênesis 18: 19 ) : " Para formar a mente da criança, a primeira coisa é vencer-lhe a vontade. A obra de instruir o intelecto leva tempo e deve ser gradual, conforme a capacidade da criança. Mas o subjugar-lhe a vontade, deve ser feito de uma vêz, e quanto mais cedo tanto melhor...Depois, pode-se governar a criança pela razão e piedade dos pais, até chegar o tempo de a criança poder, também exercer o raciocínio " .

Susana Wesley acreditava que " aquele que poupa a vara, aborrece a seu filho "( Provérbios 13: 24 ), e não consentia que seus filhos chorassem em voz alta. Assim, apesar de a casa estar repleta de crianças, nunca havia tempos tristonhos nem balbúrdia no lar do pastor. Um filho jamais ganhou coisa alguma chorando, na casa de Susana Wesley.

Susana marcava o quinto aniversário de cada filho como o dia em que deviam aprender o alfabeto; e todos, a não ser dois, cumpriram a tarefa no tempo marcado. No dia seguinte, a criança que completava cinco anos e aprendia o alfabeto, começava o estudo da leitura, iniciando com o primeiro versículo da Bíblia.

" Os meninos no lar de Samuel Wesley aprenderam o valor que há em observar fielmente os cultos. Não há em outras histórias fatos tão profundos e atraentes como o que consta acerca dos filhos de Samuel e Susana Wesley, pois antes de saberem ajoelhar-se ou falar, eram instruídos a dar graças pelo alimento, por meio de acenos apropriados. Logo que aprendiam a falar, repetiam a Oração Dominical de manhã e à noite; e eram ensinados, também, a acrescentar outros pedidos, conforme o seu desejo "...Ao chegarem à idade própria, um dia da semana era designado a cada filho, para conversar sobre as ' dúvidas e dificuldades ' . Na lista aparecem os nomes de João, para quarta-feira, e o de Carlos, para o sábado. E para os filhos, o dia de cada um tornou-se precioso e memorável... É comovente ler o que João Wesley, vinte anos depois de sair da casa paterna disse à sua mãe: " Em muitas coisas a senhora tem intercedido por mim e tem prevalecido. Quem sabe se agora também, na intercessão para que eu renuncie inteiramente o mundo, terá bom êxito ? ... Sem dúvida será tão eficaz para corrigir o meu coração, como era então para formar o meu caráter " .

Depois do espetacular salvamemto de João do incêndio, sua mãe, profundamente convencida de que Deus tinha grandes planos para seu filho, resolveu firmemente criá-lo para ser útil na obra de Cristo. Susana escreveu estas palavras nas meditações particulares : " Senhor, esforçar-me-ei mais definitivamente em prol desta criança, a qual salvaste tão misericordiosamente. Procurarei transmitir-lhe fielmente ao coração os princípios da tua religião e virtude. Senhor, dá-me a graça necessária para fazer isso sincera e sabiamente, e abençoa os meus esforços com grande êxito! " .

Ela era tão fiel, em cumprir sua resolução, que João foi admitido a participar da Ceia do Senhor, com a idade de oito anos.

Nunca se omitia o culto doméstico do programa do dia, no lar de Samuel Wesley. Fosse qual fosse a ocupação dos membros da família, ou dos criados, todos se reuniam para adorar a Deus. Na ausência do marido, Susana, com o coração aceso pelo fogo dos céus, dirigia os cultos. Conta-se que, certa vez, quando ele prolongou a ausência mais do que de costume, trinta à quarenta pessoas assistiram aos cultos no lar dos Wesley e a fome pela Palavra de Deus aumentou, a ponto de a casa ficar repleta das pessoas da vizinhança que assinstiam aos cultos.

A família do pastor Samuel Wesley vivia rodeado de pobreza, mas pela influência do Duque de Buckinghan, conseguiram um lugar para João na Charterhouse, em Londres. Assim, o menino, antes de completar onze anos, deixou a atmosfera fragrante de oração ardente, para enfrentar as porfias de uma escola pública. Contudo, não cedeu ao ambiente de pecado de que estava rodeado. Conservava, também, as sua forças físicas, obedecendo fielmente o conselhos de seu pai, que corresse três vezes, de madrugada, em redor do grande jardim da Charterhouse. Tomou como regra da sua vida, dali em diante, manter o vigor do corpo. Aos 80 anos, apesar de seu físico franzino, considerava coisa insignificante andar de pé uma légua e meia, para pregar.

Depois de estudar seis anos na Charterhouse, Wesley cursou em Oxford, tornando proficiente no latim, grego, hebraico e francês. Mas seu interesse principal não era o intelecto. Sobre esse assunto ele escreveu: " Comecei a conhecer que a religião verdadeira tem a sua fonte no coração..reservei duas horas, todos os dias, para ficar sozinho com Deus. Participava da Seia do Senhor de oito em oito dias. Guardei-me de todo o pecado, quer de palavras, quer de atos. Assim, na base das boas obras que praticava, eu me conciderava um bom crente " .

João se esforçava para levantar-se todos os dias às quatro horas. Por meio de anotações que escrevia diariamente de tudo que fazia durante o dia, conseguia dar conta de seu tempo para não desperdiçar um momento. Continuou a observar esse costume até quase o último dia da sua vida.

Certo dia, quando ainda jovem, assistiu a um enterro em companhia de um moço, e conseguiu levá-lo a Cristo, ganhando, assim, a primeira alma para seu Salvador. Alguns meses depois, com a idade de 24 anos, depois de um período de oração, foi separado para o diaconato.

Emquanto estudava em Oxford, ajuntava-se ali um pequeno grupo de estudantes para orar, estudar as Escrituras juntos diariamente, jejuar às quartas e sextas-feiras, visitar os doentes e encarcerados e confortar os criminosos na hora da execução. Todas as manhãs e todas as noites, cada um passava uma hora orando sozinho em oculto. Nas orações paravam de vêz em quando para observarem se oravam com o devido fervor. Sempre oravam ao entrar e sair dos cultos na Igreja. Três dos membros desse grupo, mais tarde tornaram-se famosos entre os crentes :
1) João Wesley, que talvez tenha feito mais que qualquer outro para aprofundar a vida espiritual, não somente de então, mas também de nosso tempo;
2) Carlos Wesley, que chegou a ser um dos mais espirituais e famosos escritores de hinos evangélicos; e
3) Jorge Whitefield, que se tornou o comovente pregador ao ar livre.

Naquele tempo, sentia-se a inflência de João Wesley em muitas partes da América, e ainda hoje é sentida. Contudo, passou menos que dois anos neste continente, e isso durandte o período da sua vida, quando se achava perturbado por causa de dúvidas. Aceitou a chamada para pregar o Evangelho aos silvículas na colônia de Geórgia, desejoso de ganhar sua salvação por meio de boas obras. Pensou que vaidade e ostentação mundana não se encontrariam nas matas da América.

Como era característico em sua vida, a bordo do navio em viagem à America do Norte, observava, com outros de seu grupo, um programa para não desperdiçar um momento durante o dia; levantando-se às quatro horas e deitava-se depois das vinte e uma. As primeiras três horas do dia eram dedicadas à oração e estudo das Escrituras. Depois de cumprir tudo o que estava indicado no programa do dia, o cansaço era tanto que, não obstante o bramido do mar e o balanço do navio, dormia sem perturbação, deitado sobre um cobertor estendido no convés.

Na Geórgia, a população inteira afluía à igreja para ouvir a sua pregação. A influência de seus sermões foi tal que depois de dez dias, uma sala de baile ficou quase inteiramente abandonado, enquanto a igreja se enchia de pessoas que oravam e eram salvas.

Whitefield, que desembarcou na Geórgia alguns meses depois de Wesley voltar à Inglaterra, assim descreveu o que viu: " O êxito de João Wesley na América é indizível. Seu nome é precioso entre o povo, onde lançou os alicerces que nem os homens nem os demônios podem abalar, Oh ! que eu possa segui-lo como ele seguiu a Cristo ! " Contudo, a Wesley faltava uma coisa muito importante, conforme se vê pelos acontecimentos que o levaram a sair da Geórgia, como ele mesmo escreveu :

" Faz dois anos e quase quatro meses que deixei a minha terra natal para pregar a Cristo aos índios da Geórgia; entrentanto, o que cheguei eu a saber ? Ora, vim a saber o que eu menos esperava: fui à América pra converter outros, mas nunca fora realmente convertido a Deus " .

Depois de voltar à Inglaterra, João Wesley começou a servir a Deus com a fé de um filho e não mais com a fé de um simples servo. Acerca desse assunto, eis o que ele escreveu: " Não reconhecia que esta fé era dada instantaneamente, que o homem podia sair das trevas para a luz imediatamente, do pecado e da miséria para a justiça e gozo do Espírito Santo. Examinei de novo as Escrituras sobre este ponto, especialmente Atos dos Apostólos. Fiquei grandemente surpreendido ao ver quase que somente conversões instantâneas; nenhuma tão demorada como a de Saulo de Tarso " . Desde então começou a sentir mais e mais fome e sede de justiça, a justiça de Deus pela fé.

Fracassara na sua primeira tentativa de pregar o Evangelho na América, porque, apesar de seu zelo e bondade de caráter, o cristianismo que possuía era uma coisa que que recebera por instrução. Mas a segunda etapa de seu ministério destacou-se por um êxito fenomenal. E porque o fogo de Deus ardia na sua alma, chegara a ter contato direto com Deus por uma experiêcia pessoal.

Relatamos aqui, com sua próprias palavras, a sua experiência na qual o Espírito testificou ao seu espírito que era filho de Deus. Essa experiência transformou completamente a sua vida :

" Eram quase cinco horas, hoje, quando abri o Novo Testamento e econtrei estas palavras : ' Ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas para que por elas fiqueis participantes da natureza divina ' (2 Pedro 1: 4 ) . Antes de sair, abri mais uma vêz o Novo Testamento para ler estas outras palavras : ' Não estas longe do reino de Deus... ' ( Marcos 12: 34 ). Senti o coração abrasado; confiei em Cristo, somente em Cristo, para a salvação : foi me dado a certeza de que Ele lavara meus pecados e de que me salvara da lei do pecado e da morte. Comecei a orar com todas as minhas forças... e testifiquei a todos os presentes do que sentia no coração " .

Depois dessa experiência em Aldersgate, Wesley aspirava a bênçãos ainda maiores do Senhor, conforme ele mesmo escreveu: " Eu suplicava a Deus que cumprisse todas as suas promessas na minha alma. O Senhor honrou este anelo, em parte, não muito depois, enquanto eu orava com Carlos, Whitefield e cerca de sessenta outros crentes em Fetter Lane " . São de João Wesley também estas palavras: " Cerca das três horas da madrugada, enquanto perceverávamos em oração, o poder de Deus nos sobreveio de tal maneira, que bradamos impulsionados de grande gozo e muitos caíram ao chão, a seguir, ao passar um pouco o temor e a surpresa que sentimos na presença da majestade divina, rompemos em uma só voz : ' Louvamos-te, ó Deus, aceitamos-te como Senhor " .

Essa unção do Espírito Santo dilatou grandemente os horizontes espirituais de Wesley; o seu ministério tornou-se excepcionalmente frutuoso e ele trabalhou ininterruptamente durante 53 anos, com o coração abrasado pelo amor divino .

Um pastor prega, em média, cem vezes por ano, mas João Wesley pregou cerca de 780 vezes por ano, durante 54 anos. Esse homenzinho, com a altura de apenas um metro e sessenta e seis centímetros e pesando menos de sessenta quilos, dirigia-se a grandes multidões e sob as maiores provações. Quando as igrejas lhe fecharam as portas, levantou-se para pregar ao ar livre.

Apesar de enfrentar a apatia espiritual quese geral nos crentes, a par de uma onda de devassidão e crimes no país inteiro, multidões de 5 mil a 20 mil afluíam para ouvir seus sermões. Tornou-se comum, nesses cultos, os pecadores acharem-se tão angustiados, que gritavam e gemiam. Se célebres materialistas, tais como Voltaire e Tomaz Paine, gritaram de convicção ao se encontrarem com Deus no leito da morte, não é de admirar que centenas de pecadore gemessem, gritassem e caíssem ao chão, como mortos, quando o Espírito Santo os levava a sentir a presença de Deus. Multidões de pecadores, assim, tornavam-se novas criaturas em Cristo Jesus, nos cultos de João Wesley. Muitas vezes os ouvintes eram levados às alturas de amor, gozo e admiração; recebiam também visões da perfeição divina e das excelências de Cristo, até ficarem algumas horas como mortos.

Como todos os que invadem o território de Satanás, os irmãos Carlos e João Wesley, tinham de sofrer terríveis perseguições. Em Moorfield os inimigos do Evangelho acabaram com o culto, destruindo a mesa em que João subira para pregar e o insultaram e maltrataram. Em Sheffield, a casa foi demolida sobre a cabeça dos crentes. Em Wednesbury, destruíram as casas, roupas e móveis dos crentes, deixando-os desabrigados, expostos à neve e ao temporal. Diversas vezes João Wesley foi apedrejado e arrastado como morto, na rua. Certa vez foi espancado na boca, no rosto e na cabeça até ficar coberto de sangue.

Mas a perseguição da parte da igreja decadente era sua maior cruz. Foram dununciados como " falsos frofetas " , " paroleiros " , " impostores arrogantes ", " homens destros na astúcia espiritual ", " fanáticos " , etc. Ao voltar para visitar Epworth, onde nascera e se criara, João assistiu, no domingo, ao culto da manhã, na igraja onde seu pai fora fiel pastor durante muitos anos, mas não lhe foi concedida a oportunidade de falar ao povo. Ás dezoito horas, João, em pé, sobre o monumento, que marcava o lugar em que enterraram seu pai, ao lado da Igreja, pregou ao maior auditório jamais visto em Epworth - e Deus salvou muitas almas.

- Qual a causa de tão grande oposição ? Entre os crentes da igreja dormente, alegava-se que eram as suas pregações sobre a justifição pela fé, e a santificação. Os descrentes não gostavam dele porque " levou o povo a se levantar para cantar hinos às cinco da madrugada " .

João Wesley não somente pregava mais que os outros pregadores, mas os excedia como pastor, exortando e confortando os crentes, e visitando de casa em casa.

Nas suas viagens, andava tanto a cavalo, como a pé, ora em dias ensolarados, ora sob chuvas, ora em temporais de neve. Durante os 54 anos de seu ministério, andou, em média, mais de 7 mil quilômetros por ano, para alcançar os pontos de pregação.

Esse homenzinho que andava 7 mil quilômetros por ano, ainda tinha tempo para a vida literária. Leu não menos de 1.200 tomos, a maior parte enquanto andava a cavalo. Escreveu uma gramática hebraica, outra em latim, e ainda outras de francês e inglês. Serviu durante muitos anos como redator dum jornal de 56 páginas. O dicionário completo que compilou da língua inglesa era muito popular, e seu comentário sobre o Novo Testamento ainda tem grande circulação. Revisou e republicou uma biblioteca de cinquenta volumes, reduzindo-a para trinta volumes. O livro que escreveu sobre a filosofia natural teve grande aceitação entre o ministério. Compilou uma obra de quatro volumes sobre a história da Igreja. Escreveu e publicou um livro sobre a história de Roma e outro sobre a da Inglaterra. Preparou e publicou três volumes sobre medicina e seis sobre música para os cultos. Depois da sua experiência em Fetter Lane, ele e seu irmão Carlos, escreveram e publicaram 54 hinários. Diz-se que ao todo escreveu mais de 230 livros.

Esse homem de físico franzino, quando estava à alguns meses para copletar 88 anos escreveu : " Durante mais de 86 anos não experimentei qualquer debilidade de velhice; os olhos nunca escureceram, nem perdi o meu vigor " . Com a idade de 70 anos, pregou a um auditório de 30 mil pessoas, ao ar livre, e foi ouvido por todos. Aos 86 anos fex uma viagem à Irlanda, pregou cem vezes em sessenta cidades. Certo ouvinte assim se referiu a Wesley: " Seu espírito era tão vivo como aos 53 anos, quando o encontrei pela primeira vez " .

Atribuia a sua saúde às seguintes regras: 1) Ao exercício constante e ar fresco; 2) À habilidade de dormir, de dia ou de noite, ao sentir-se cansado; 3) Ao fato de observar a regra por mais que sessenta anos de se levantar às 4 horas da manhã; 4) Ao costume de sempre orar às 5 da manhã, durante mais que cinqüenta anos; 5) Ao fato de quase nunca sofrer de dor, desânimo ou cuidado durante a vida inteira.

Não nos devemos esquecer da fonte desse vigor que João Wesley manifestava. Passava duas horas diariamente em oração, e muitas vezes mais. Iniciava o dia às quatro horas. Certo crente que o conhecia intimamente, assim escreveu acerca dele: " Considerava a oração a coisa mais inportante da sua vida e eu o tenho visto sair do quarto com a serenidade de alma visível no rosto até quase brilhar " .

A qualquer história da vida de João Wesley faltará o ponto principal, se não fizer menção dos cultos de vigília que se realizavam uma vêz por mês entre os crentes. Esses cultos se iniciavam às 20 horas e continuavam até depois da meia-noite - ou até cair o Espírito Santo sobre eles. Baseavam tais cultos sobre as referência no Novo Testamento, de noites inteiras passadas em oração. Foi assim que alguém se referiu ao sucesso : " Explica-se o poder de Wesley pelo fato de ele ser ' homo unius libri ', isto é, um homem de um livro, e esse Livro é a Bíblia " .

No seu diário, João Wesley escreveu, entre outras coisas, sobre oração e jejum, o seguinte: " Enquanto cursava em Oxford... jejuávamos às quartas e às sextas-feiras, como faziam os crentes primitivos em todos os lugares, Escreveu Epifânio ( 310 - 403 ): ' Quem não sabe que o jejum das quartas e sextas-feiras é observado pelos crentes do mundo inteiro ? " Wesley continuou : " Não sei porque eles guardavam esses dois dias, mas é boa a regra; se lhe servia, também me serve. Contudo, não quero dar a entender que o único tempo de jejuar seja esses dois dias da semana, porque muitas vezes é necessário jejuar mais do que dois dias. É necessário permanecer sozinho e na presença de Deus, enquanto jejuamos e oramos, para que Deus possa mostrar-nos a sua vontade e dar-nos direção. Nos dias de jejum devemos afastar-nos, o mais possível, de todo serviço, de fazer visitas e das diversões, apesar dessas coisas serem lícitas em outras ocasiões " .

Seu gozo em pregar ao ar livre não diminuiu na velhice: Em 7 de outubro de 1790, pregou pela última vez fora de casa, sobre o texto : " O reino de Deus está próximo, arrependei-vos, e crede no Evangelho ". A palavra manifestou-se com grande poder e as lágrimas do povo corriam em torrentes .

Um por um, seus fiéis companheiros de luta, inclusive sua esposa, foram chamados para o descanso, mas João Wesley continuava a trabalhar. Com a idade de 85 anos, seu irmão, Carlos, foi chamado pelo Senhor e João sentou-se perante a multidão, cobrindo o rosto com as mãos, para esconder as lágrimas que lhe corriam pelas faces. Seu irmão a quem amava tanto durante tão longo tempo, partira e ele, agora, tinha de trabalhar sozinho.

Em 2 de março de 1791, com a idade de quase 88 anos, completou a sua carreira terrestre. Durante toda a noite anterior, não cessara em seus lábios o louvor e a adoração, pronunciando estas palavras: " As nuvens distilam a gordura " . Sua alma saltou de alegria com a antecipação das glórias do lar eterno e exclamou: " O melhor de tudo é que Deus esta conosco " . Então, levantando a mão, como se fosse o sinal da vitória, novamente repetiu : " O melhor de tudo é que Deus esta conosco ". Às 10 horas da manhã, enquanto os crentes rodeavam o leito, em oração, ele disse: " Adeus ! " , e assim passou para a presença do Senhor.

Um crente que assistiu à sua morte, assim relatou o ato : " A presença divina pairava sobre todos nós; não existem palavras para descrever o que vimos no seu semblante ! Quanto mais o fitávamos, tanto mais víamos parte dos indizíveis céus " .

Calcula-se que dez mil pessoas em desfile passaram diante do ataúde para ver o rosto que ainda retinha um sorriso celestial. Por causa das grandes massas que afluíaram para honrá-lo, foi necessário enterrá-lo às cinco horas da manhã.

João Wesley nasceu e criou-se em um lar onde não havia abundância de pão. Com a venda dos livros da sua autoria ganhou uma fortuna, com a qual contribuía para a causa de Cristo; ao falecer, deixou no mundo duas colheres, uma chaleira de prata, um casaco velho e " dezenas de milhares de almas, salvas em épocas de grande decadência espiritual ".

A tocha em Epworth foi arrebatada do fogo, em Aldersgate e em Fetter Lane começou a arder intensamente, e continua a iluminar milhões de almas no mundo inteiro.